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Escrita Solta

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06
Mar20

Desafio de escrita dos pássaros #2.6 - O vírus

Fernando Varela

Algo de estranho se passava no mundo, nos últimos tempos. Não acontecia apenas num país, ou noutro, mas sim, em todo o planeta. Nos últimos meses, pessoas caíam ao chão, inanimadas, e em poucos minutos, nada mais havia a fazer senão declarar o seu óbito, a sua morte.

Ninguém sabia ao certo o que atingia a população mundial, pois não havia nenhuma relação entre as vítimas que, acometidas por aquele "ataque", em poucos minutos viam-se privadas da sua vida. Não havia nada em comum entre elas, não havia sequer qualquer relação. Seria um vírus? Era possível. Era até o mais provável, mas não havia certezas. Ninguém sabia ao certo.

Estava no hospital, mais concretamente na morgue, para autopsiar mais um caso de morte inesperada. Não havia qualquer pista. Pegou na ficha que estava junto à mesa de autópsia. "Indivíduo do sexo masculino. Noventa e três anos". À semelhança de todos os outros que autopsiara nos últimos meses, também este tinha mais de noventa anos. Raros eram os casos em que tinham menos. A desproporção era tal, que seria talvez a exceção que confirma a regra. Seria a idade um fator decisivo, uma vulnerabilidade face ao vírus?

Começou a autópsia. Ainda não havia passado meia hora, quando descobriu implantado bem fundo no cérebro, um minúsculo microchip. Algo de um tamanho tão mínimo, que só por acaso, o poderia ter descoberto. Será que nas outras vítimas também lá estaria, e não se apercebera? Retirou-o. No final da autopsia haveria de o levar até ao seu gabinete onde tentaria aceder à sua informação. Como curioso que era ao nível da eletrónica possuía equipamentos que poderiam aceder ao conteúdo do chip.

A primeira análise mostrava que estava encriptada. O processo de a desencriptar era lento, mas ao fim de uma semana acabaria por ter sucesso: "count>32782 / system shutdown".

O que seria aquilo? Que tipo de instrução seria aquela? Que número era aquele? "32782"?

Durante meses, aquele número martelou-lhe a cabeça, até que, como se de uma epifania se tratasse, descobriu que correspondia ao número exato de dias que havia em noventa anos. Seria aquilo a causa das mortes? Seria aquilo uma eutanásia programada? Não queria acreditar nisso.

"system failure / error 999 / immediate shutdown"

De um momento para o outro, tudo ficou escuro, e o médico caiu ao chão, inanimado, morto.

O vírus continuava a ser isso, apenas mais um vírus.

© Fernando Varela

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